Certamente você já se perguntou: quem é o responsável e de onde surgem os nomes intrigantes das operações da Polícia Federal? São denominações e expressões que, em geral, fogem ao lugar comum, mas resultam de um processo criativo que tem uma razão de ser.
Hoje, só no âmbito da PF são 50 mil inquéritos em andamento, pelo Brasil afora. E cada um deles é cuidadosamente “batizado”, forma de atender à uma função específica que “é auxiliar a identificação e gerenciamento do conjunto de atos administrativos, documentos, provas e bens apreendidos em uma determinada investigação”, elucida Edson Geraldo de Souza – Delegado Chefe da Delegacia de Polícia Federal em Campinas, desde 2019.
As grandes operações
O início das grandes operações se deu em 2002. No ano seguinte, ganham força quando foram deflagradas, entre outras, a Praga do Egito, Gafanhoto, Anaconda, Medusa e Lince, esta última, inclusive, visando integrantes da própria PF, em desvios de conduta.
Em razão da tecnologia e celeridade empregadas no processamento das investigações, o número de inquéritos em andamento diminuiu: em 2019 eram 110 mil e, atualmente, são 50 mil.
Durante a pandemia, a PF tomou uma decisão muito importante no que diz respeito ao tratamento massivo de informações. Foram desenvolvidos e aperfeiçoados projetos como o Prometheus, Tentáculos e BNFAE (Banco Nacional de Fraudes ao Auxilio Emergencial). Por meio desses avançosdeixou de instaurar um inquérito para cada denúncia, mas reuni-las conforme uma base comum e analisá-las em conjunto, por meio do cruzamento de dados.
Uma das operações deflagradas pela Delegacia de Campinas nesse novo modelo, foi a Apateones, a maior em relação ao volume de fraudes do auxílio emergencial, que chegou a R$ 50 milhões confirmados já no início da investigação, podendo ter alcançado até R$ 200 milhões.
Na Operação Lother, também voltada ao auxílio emergencial, a PF em Campinas prendeu um jovem hacker, criador do aplicativo que era responsável pelas fraudes no Brasil.
A escolha dos nomes
Segundo o delegado Edson, que já atuou no exterior, em missões na África do Sul e Bolívia e, noBrasil, nas unidades de Presidente Prudente e Ribeirão Preto, o nome das operações não tem aspecto midiático ou de marketing, ao contrário do que possam imaginar. Mas se apoia, sim, no trabalho sério da PF quando o assunto são suas investigações.
“Cada operação é documentada e gerenciada em um inquérito policial que recebe um número de registro no sistema da PF e outro número, oportunamente, perante a Justiça. Tudo o que é produzido neste inquérito policial está vinculado a esses dois números e é armazenado e consultado no sistema denominado de e-Pol, com essas referências”.
Diante dessa quantidade de inquéritos – ainda de acordo com o delegado – os números podem não ser a melhor maneira de identificação. Quando a investigação é complexa e de vulto, é preferível atribuir um nome, que será inserido em cada documento, apreensão e auto policial, facilitando o trabalho da PF. “Precisa ser único, não ter sido atribuído a outra operação policial e pertinente com o conteúdo da investigação. Daí os nomes inusitados, muitas vezes baseados em estrangeirismos, para evitar confusão do objeto do trabalho com quaisquer outros em andamento”.
Impacto na opinião pública
“Há centenas de nomes interessantes e sempre chamam a atenção da mídia e da sociedade” – considera o delegado. Em Campinas, destacam-se Black Flag (bandeira preta), que é o ato de desclassificação de um piloto de corrida de automóveis. Isso porque um dos principais investigados se apresentava, notória e publicamente, como piloto de carros de corrida e a operação da PF foi a sua parada obrigatória em relação aos crimes praticados.
As denominações são escolhidas pelos policiais que compõem a equipe de investigação. Qualquer um pode sugerir o nome, cabendo ao chefe da equipe aceitá-lo. “Para a escolha, no entanto, há regras muito claras, não devendo abranger quaisquer temas sensíveis, religiosos, nome de investigados, termos ofensivos ou pejorativos, o que sempre foi absolutamente respeitado pelos policiais federais”.
Outro nome interessante está na Operação Overload (sobrecarga), já que os criminosos colocavam sem autorização e sem pesagem dezenas de quilos de cocaína dentro da área de carga dos aviões comerciais em Viracopos com destino à Europa.
Mais um nome interessante é o da Operação Concierge (função de pessoa que recebe visitantes) porque o esquema era receber dinheiro de organizações criminosas, em Campinas para administrá-lo sem ser percebido pelo Sistema Financeiro Nacional. Nos últimos 5 anos, a Delegacia de Polícia Federal realizou mais de 90 operações, cada uma com seu nome peculiar e curioso.
‘Operação Arco de Fogo’
Muitas obras literárias e audiovisuais utilizaram nomes de operações. Uma dessas foi a escrita pelo próprio delegado Edson, sob o título homônimo Operação Arco de Fogo, da Editora Novo Conceito. O romance, inspirado em uma história real, relata a luta da PF pela preservação da Amazônia.
Tornou-se um dos mais vendidos romances policiais e há projetos em andamento para levá-lo para as telas. “Em 2019, quando do lançamento, fui convidado pela Universidade do Porto (Portugal) para expor a obra. Concluí que os nomes das operações da PF são um ativo cultural do País e que as pessoas se interessam, aguardam e leem sobre o tema”.
Os capítulos iniciais do livro podem ser lidos gratuitamente no Google.