
Crédito: Acervo pessoal
Há aqueles que participaram, no passado, do coral da escola, da igreja, do clube ou em alguma situação na fase da infância ou juventude. Há os que apenas apreciavam e, talvez por timidez ou autocrítica, não se arriscavam a soltar a voz, mesmo quando a iniciação musical era disciplina obrigatória nos tempos de colégio. O Afinaidade ouviu representantes da geração platinada que se dedicam ao canto coral e desafiam, em alto e bom tom, qualquer obstáculo.
Aos 68 anos, Sandra Regina de Faria Chagas se revela apaixonada pelo canto coral. Mesmo sem vínculo religioso com a igreja católica, integra o grupo de 70 coralistas, de faixa etária variada, da Diocese de Santo André, sob o comando do maestro Diego Muniz. Ela, que teve o primeiro contato com o canto aos 10 anos, se recorda das aulas de música na escola e do fato de nunca ter atuado de forma intuitiva ou autodidata e, sim, orientada por profissional, professor ou dirigente. Guiada por prazer e devoção à atividade, Sandra revela em tom emocional: “a sensação que tenho em participar do coral é a de arrepiar até a alma, além do dever cumprido e trabalho bem feito”. Complementa que sua preferência são as canções eruditas e também nutre o gosto particular de cantar músicas em inglês.
A respeito de suas prioridades, considera o coral um compromisso real, trabalho mesmo: “está em primeiro lugar entre as coisas que faço. Eu diria que em primeiro, segundo e terceiro”, salienta sobre a prática ainda mais presente depois da aposentadoria. De acordo com ela, cada apresentação externa, incluindo igrejas e teatros, é apoteótica e gratificante, ao registrar que há um público fiel que acompanha o coral.
Vida inspirada na música

Crédito: Acervo Pessoal
Cantora, produtora musical e empreendedora, a paulistana Maria Filomena Aparecida da Silva – nome artístico Filomena Silva ou Filó – aos 64 anos, tem vida ativa e direcionada ao exercício da voz. Ela é cantora contralto no CoralUSP XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP, do qual participa há 16 anos, com ensaios duas vezes por semana. Formada em Educação Artística pela Faculdade de Artes de São Paulo, com especialização em Música, tem no currículo feitos como a gravação do CD independente “Aragem”, em parceria com o violonista Pedro Milanesi, lançado em 2019.
Para aperfeiçoar a técnica, frequenta aula de canto e de piano. Ressalta o conhecimento transmitido pela professora de canto lírico Antonieta Bastos. “Faço também exercícios vocais, bebo muita água para manter as cordas vocais hidratadas e o meu pescoço está sempre protegido do clima”, revela a cantora sobre os cuidados para preservar a voz.
Sem a barreira da idade

As reuniões uma vez por semana, sempre nas tardes das quintas-feiras, num endereço fixo da Zona Sul da capital paulista, se transformam num momento repleto de alegria e emoção, para os 62 integrantes do Coral Amigos da Terceira Idade Sol Maior, com idades que vão dos 60 aos 90+. No comando está Telma Clementino, musicista profissional, que fez conservatório, faculdade de música e se formou regente.
“A música está presente na memória afetiva de uma geração que manteve contato com a disciplina nos bancos escolares”, justifica. Conforme Telma, a prática do canto é motivadora. Observa que os alunos amam frequentar a atividade cultural, outro aspecto é o quanto se entusiasmam com as apresentações em igrejas, asilos, hospitais, shoppings e festas. Contudo, “o ganho maior é o da sociabilização, especialmente nos ensaios.”
Mas afinal, a voz envelhece? Telma assegura que sim, como todo órgão e partes do corpo humano. Cantar requer o uso do diafragma e da prega vocal, esta acometida de flacidez natural com o passar dos anos. O exercício do canto fortalece exatamente essa estrutura muscular. “Nossas aulas não se restringem apenas aos ensaios, há exercícios recomendados para se fazer em casa também, alguns de aquecimento vocal”, salienta.

“Um tipo de psicoterapia”
Estimulado pela esposa, também coralista do ‘Sol Maior’, Rafael Almudi Villen, de 79 anos, que chegou ao Brasil aos 7 anos, vindo de Zaragoza, na Espanha, localidade onde nasceu, fala com brilho nos olhos sobre participar do grupo. Engenheiro químico e professor universitário aposentado, frequenta o coral há 15 anos.“A vivência no canto é comparável à uma psicoterapia”, analisa. “Nos sentimos acolhidos, num exercício de afeto e convivência”.
O gosto por cantar foi uma novidade na vida de Rafael. “É muito gratificante a expressão pela voz, principalmente quando é dirigida para alguém mais carente”, caso de apresentação em hospital e em asilo. “Me traz muita alegria, porque a entrega é maior”.
Depois da dança, a atividade com a voz

Bailarino aposentado do corpo de baile do Teatro Municipal de São Paulo, onde trabalhou por 44 anos, Raimundo Costa, com 66 anos, migrou da dança para o canto coral no ‘Sol Maior’, após a aposentadoria, em 2024. “Sempre tive vontade de cantar, mas com o trabalho na dança, que exige dedicação integral, acabei deixando de lado”. O dançarino profissional sonhava com o canto, porém não se considerava afinado.
Por iniciativa da maestrina Naomi, que comandava o coral Paulistano, ao decidir criar um time do canto, formado apenas por funcionários de diversos setores do Teatro Municipal, que Raimundo deu o pontapé inicial ao desejo acalentado. Atualmente divide o tempo entre os dois corais.
“Me sinto muito bem quando vou aos ensaios, saio tão mais leve, conheço outras pessoas, algumas até com mais idade. Isso é um ganho”, avalia, ao afirmar ter rompido a barreira da autocrítica: “hoje me sinto muito mais afinado, aprendi a ler partitura e ampliei o meu universo musical”.