Em uma manhã ensolarada de setembro, chego ao apartamento de Claudia Andujar, na capital paulista. Ela, com seus 93 anos, sentada em sua belíssima sala, lia um jornal do dia. Me recebe calmamente e iniciamos a entrevista, ou melhor, uma agradável conversa. Foi nesse encontro e, através de pesquisas, que tive a oportunidade de conhecer sua rica trajetória e admirá-la ainda mais.
Da Europa para as Américas
Claudine Haas nasceu em 1931 na Suíça, na cidade de Neuchâtel. Filha única de Germaine Guye, suíça protestante, e Siegfried Haas, judeu húngaro, cresceu na Transilvânia (atualmente parte da Romênia). Ainda pequena, se muda para a Hungria, onde presencia os horrores da guerra e vivencia a perseguição aos judeus. Com 15 anos vai morar com um tio, em Nova York e, aos 20 anos, se casa com o refugiado espanhol Julio Andujar. Adota para sempre o nome de Claudia Andujar, mesmo tendo vivido menos de um ano com ele. Nesse período, desenvolve interesse pela pintura e trabalha como guia na Organização das Nações Unidas.
“Estava cansada da Claudine Haas. Minha infância me deixou deprimida. Eu queria começar uma nova vida.”
Em 1955, desembarca em Santos (SP), no navio Bonita, para se encontrar com sua mãe, que já vivia em solo brasileiro. Passa a morar em São Paulo e a dedicar-se à fotografia.
”Me encontrei no Brasil. Experimentei aqui uma afinidade que jamais havia sentido e o calor humano que não encontrara antes em nenhum lugar”
Intimidade com o modo de vida das pessoas
No ano seguinte, após viajar com sua câmera pelo Brasil, Bolívia, Peru, Argentina e Chile, começa a se interessar pelos povos nativos. Realiza seu primeiro projeto autoral ao fotografar o povo Karajá, na ilha do Bananal, atual Estado do Tocantins. Para promover e exibir seu próprio trabalho, até o início dos anos 1960 vai frequentemente aos Estados Unidos e passa a contribuir com diversas publicações: as norte-americanas Life, Aperture e Look; e as brasileiras Claudia, Quatro Rodas e Setenta.
Em 1962, realiza a série ‘Famílias Brasileiras’, imersão na vida de quatro famílias: fazendeiros na Bahia, pescadores no litoral de São Paulo, uma família de classe média da capital paulista e outra, católica, de Diamantina (MG). Logo após, dedica-se a um projeto fotográfico destacando o papel da mulher da tribo Bororo em suas comunidades. Viaja ao Pará, onde fica um mês convivendo com o povo Xikrin. Na volta, se integra à equipe de fotógrafos da revista Realidade, lançada em 1966 pela Editora Abril com nova abordagem ao jornalismo e fotojornalismo no Brasil.
“Não fotografo só para escrever uma matéria, mas, sim, pelo interesse particular que tenho em conhecer e entender a intimidade das pessoas”.
Seu segundo casamento acontece em 1968, com o fotógrafo afro-americano George Love, quem a encoraja a experimentar uma variedade de técnicas que ‘valorizam o poder emocional das imagens’. No mesmo ano, a fotografia de Claudia Andujar de um garoto Xikrin é publicada na capa da The New York Times Magazine.
Convivência com os Yanomami
Para a edição especial da Realidade, dedicada à Amazônia, em 1971 Andujar viaja com seu marido à Roraima e, pela primeira vez, fotografa os Yanomami. “Naquela época não existiam fotos deles e quando as pessoas viram passaram a entendê-los”.
Nos anos seguintes, ela volta várias vezes à região do rio Catrimani, e permanece por longos períodos. “Precisava ter um tempo para ficar com eles, para compreender o pensamento deles. Vi que eu podia abrir uma janela para mostrar ao mundo como são em suas casas coletivas e na floresta, onde coletam frutas e caçam”.
Se sente tão à vontade com a comunidade que chega a registrar em seus depoimentos: “Lá, estava em casa. Me sentia bem, era como se sempre tivesse estado lá, integrada. Esse pequeno mundo na imensidão do mato amazônico era meu lugar e sempre será”. Não se importava em não entender a língua deles. “Nos entendíamos com gestos e mímica. As respostas, encontrava no olhar. Não sentia falta de troca de palavras. Queria observar, absorver para recriar em forma de imagens o que sentia. Talvez o diálogo iria até interferir”.
Poesia, pintura e fotografia
A arte na vida de Andujar não se limita a fotografia. Segundo explica, desde pequena buscou formas de autoexpressão. “Inicialmente pratiquei a poesia, mas por causa das mudanças geográficas tão frequentes a que era obrigada, acontecia de perder o sentido das palavras. Assim, voltei-me para uma expressão independente das línguas”. Aliás, independente só nas artes, pois domina vários idiomas. Com o pai ela falava húngaro, com a mãe, francês e com a avó, alemão. Ao chegar aos Estados Unidos aprende inglês, e no Brasil, o português.
Exposições e prêmios
Desde a chegada ao Brasil, Claudia Andujar participou de mais de 50 exposições em diversas partes do mundo, com destaque para a 27ª Bienal de São Paulo e para a exposição Yanomami, na Fundação Cartier de Arte Contemporânea (Paris, 2002). Recebeu centenas de prêmios e títulos e teve participação ativa e significativa na defesa dos indígenas brasileiros.
Em 1978, criou a CCPY (Comissão pela Criação do Parque Yanomami), com o objetivo de defender seus direitos territoriais e culturais. Dois anos depois, iniciou campanha de vacinação como parte de um programa de saúde para imunizá-los contra as doenças transmitidas pelos brancos.
Fotos: acervo pessoal e Instituto Moreira Sales