Da infância ao período estudantil e na vida profissional, a palavra
foi sempre minha companheira inseparável
Por: Flávio Noronha*
Desde muito novo percebi que tinha facilidade para escrever. Os textos brotavam de forma natural, sem muito esforço, e me proporcionavam um prazer interessante.
Após terminar o segundo grau e servir ao Exército, fiz vestibular para o curso de direito na Universidade Federal de Uberlândia, tendo sido a redação, sem dúvidas, a maior responsável pela minha aprovação – difícil, à época, nas universidades federais. Também fui aprovado para direito na Faculdade Carlos Chagas, de Uberaba. Optei pelo curso da primeira.
Um semestre após o início dos estudos, vi-me obrigado a mudar-me para Brasília, com minha família. Com dois meses na Capital Federal, lendo os classificados do jornal Correio Braziliense, deparei com um anúncio de concurso público para trabalhar na Câmara dos Deputados. O salário prometido era maior do que o meu pai, então assessor do ministro da agricultura, ganhava. Era dinheiro que eu jamais tinha sonhado receber.
Fiz a inscrição e logo descobri que havia somente uma vaga, disputada por pouco mais de 300 candidatos. Todas as provas eram eliminatórias e realizadas entre segunda e sexta-feira. Passei por todas as fases, o que me animou imensamente, até que, ao final, restaram dois concorrentes, sendo que a decisão pela vaga deu-se por meio de uma prova de redação. Tive calma o suficiente para não escrever uma bela história, mas, sim, para mostrar que eu detinha as técnicas básicas da escrita. Deu certo! Passei e permaneci no emprego por 7 anos, até que o deixei para advogar.
Enquanto trabalhei na Câmara, tive como missão escrever desde cartões de natal e de aniversário, até discursos e dissertações sobre temas diversos.
Ao meu lado, sempre e invariavelmente, estavam dicionários da Língua Portuguesa e manuais de redação, especialmente o da Presidência da República. Criterioso e sempre pronto para mostrar algo novo para os parlamentares, criei o costume de entender o significado de cada palavra, de buscar por expressões diferentes, de conhecer jargões populares e, é claro, de escrever corretamente.
Eu trabalhava durante o dia e cursava direito à noite. Para os deputados, escrevia o que mencionei, e, para o curso de direito, produzia livretos, com textos resumidos de todas as matérias dos cinco anos letivos. Tive dois livros publicados: “Impeachment, arma de moralização”, com prefácio de Roberto Freire; e “Parlamentarismo”, prefaciado por Sandra Cavalcanti. Como hobby, outros tantos trabalhos eu produzi.
Durante 24 anos de advocacia, entre 1993 e 2017, minha escrita era dedicada estritamente ao direito e às inúmeras petições diárias, o que me fez deixar adormecido o hobby da lida sobre outros assuntos, alheios à minha profissão.
Entretanto, havia um clamor interior que me incomodava grandemente, chamando-me para um reencontro com a redação do passado. Este clamor tornou-se tão forte que, certo dia, cedi a ele e comecei a rabiscar novos textos. Tentei fazer uma poesia e surpreendi-me com o resultado e com a facilidade com que lidei com tal desafio.
Desde então – e já passaram 7 anos – não parei mais. Pelo contrário, produzo como nunca e o prazer de concluir um texto me motiva a novas produções.
Como a Língua Portuguesa não é para amadores – como diz um amigo meu – com o qual concordo, todos os dias estudo um pouco e tiro dúvidas enquanto escrevo, não deixando absolutamente nada para depois. Se alguém perto de mim usa uma palavra que não conheço ou que julgo estar incorreta, corro para os dicionários e resolvo o problema.
Em algum momento desta nova trajetória, tive a certeza de que muitas outras pessoas poderiam ter dúvidas como as minhas, e que, de alguma forma, mesmo que com simplicidade, eu poderia contribuir para ajudá-las a caminharem melhor pelo nosso vernáculo.
As redes sociais precarizaram a escrita e os neologismos têm sido aceitos de braços abertos por dicionaristas, a ponto de hoje ser correto falar-se “frauta”, em vez de “flauta”; “brabo”, em vez de “bravo”; “berruga”, em vez de “verruga” etc. Nas redes, certamente os usuários escreveriam “ao invés” (o contrário), no lugar de “em vez” (no lugar de), porque a moda é falar-se tão-somente “ao invés” em todas as situações.
Diante destas circunstâncias e da enorme complexidade da Língua Portuguesa, resolvi criar e publicar as Dicas do Noronha. O objetivo é o de, rapidamente, resolver dúvidas sobre o modo de escrever ou de falar, sem o intuito do aprofundamento no assunto, atitude que compete a quem se vir motivado a isto. Esta iniciativa foi amplamente bem-sucedida e incentivada. Nos últimos dois anos e meio, minhas dicas são divulgadas diariamente.
Não sou professor de português, mas sinto-me à vontade para ensinar o que aprendi nestes muitos anos de pesquisa, os quais me deram a certeza de que jamais o dominarei completamente. Reflita: quantos de nós temos memorizados os 315 verbos irregulares com os quais temos de lidar? Para a sua aplicação, não há regra. É preciso decorar quais são e como pronunciá-los corretamente. Como diz o outro: ninguém merece…
Espero que as Dicas do Noronha possam amenizar um pouco do nosso sofrimento diário em lidar com a complexa língua portuguesa o qual atinge boa parte dos brasileiros que aderem à lapidação do falar e do escrever. Ao contrário daqueles que buscam apenas fazer-se entender pelos seus próximos, e entendê-los, sem qualquer preocupação em publicamente, de forma solene, dizerem “nóis vai”, “eles é”, “tô intertido”, “num é” etc.
* Flávio Augusto Nogueira Noronha é advogado, especialista em Direito Econômico e das Empresas, pela FGV; Doutor Honoris Causa em Direito pela Universidade Saberes, Corporativa e de Educação da Capital; professor de Direito; escritor e palestrante; e membro da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura.
As ‘Dicas do Noronha’ serão, periodicamente, publicadas no Afinaidade