Saúde e Bem-Estar

A sexualidade requer visão ampla

Dissociado de tabus e preconceitos, o sexo na longevidade pode ser vivido de forma tranquila e cercada de prazer. Algumas barreiras ainda atuam como resistência, mas, nesta entrevista exclusiva ao Afinaidade, o Dr. Milton Crenitte médico geriatra, com residência e doutorado em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e professor universitário, minimiza a questão. Sua experiência na matéria é vasta e aplicada, entre outras frentes de trabalho, na coordenação da complementação especializada em Sexualidade e Envelhecimento, na mesma instituição de ensino na qual obteve a sua formação acadêmica. Com temática idêntica, atua no Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR). No voluntariado, o médico dedica-se à ONG EternamenteSOU, organização de apoio ao público LGBTQIA+ com mais de 50 anos.

Afinaidade – Como ultrapassar a barreira do preconceito e dos tabus e tornar a sexualidade algo natural e uma realidade para os casais longevos?

Milton Crenitte – Quando entendemos que sexualidade é algo muito mais amplo do que o sexo e a penetração, compreendemos que ela nos atravessa do nascer ao morrer. É o toque, a carícia, o carinho, a intimidade, a conexão que fazemos com outras pessoas, os sentimentos que expressamos, os desejos que temos. Vai desde o momento em que descobrimos nossa sexualidade e temos um despertar sexual, até os últimos dias de nossas vidas. Claro que tem sexo dentro da sexualidade e no ato em si, mas não resumem toda a gama, toda a sua dimensão. E é essa a mensagem que temos de passar. Para quem gostar e quiser performar sexo, até o último dia de sua vida, não há problema. Vale buscar formas e orientações. Mas o primeiro tabu a ser quebrado é entender sexualidade como algo transcendental, muito mais amplo. Ela faz parte de quem somos, de como nos enxergamos na sociedade como homens, mulheres, pessoas que vivem, que têm corpo, desejos e atrações.

Afinaidade –  A orientação, médica e psicológica, se faz necessária para a plenitude da vida sexual? Quando e como a geração de maduros deve considerar ou dispensar a ajuda de profissionais da área da saúde?

Crenitte – A orientação – médica e psicológica – não é obrigatória. A grande questão é entendermos que pode ser necessária. Nesse caso, se torna importante que a pessoa e o profissional não tenham vergonha. Se a pessoa desejar ou tiver dúvida, angústia ou alguma questão que queira tratar, sendo ela 60+, 70+ ou 80+, deve procurar orientação sim. E é muito relevanteque o profissional seja acolhedor, que trate o tema sem nenhum preconceito, sem descriminação, nem ridicularizarão. Vamos considerar essa necessidade quando houver alguma demanda, seja com questionamento ou dificuldade que o corpo esteja apresentando, como dificuldade de ereção para os homens ou ressecamento e falta de libido para as mulheres. Mas se a pessoa estiver se sentindo satisfeita, com ou sem sexo, e não em sofrimento, não há necessidade de ajuda.

Afinaidade –  Num mundo de relações que tendem a viver de forma superficial, com a predominância das redes sociais como via principal dos encontros virtuais entre os pares, como a sexualidade genuína pode sobreviver? Em outras palavras, como ser mais humano e menos artificial na aproximação com o parceiro?

Crenitte – É entender que cada pessoa é única. Nesse mundo do: tempo é dinheiro, de estar sempre atropelado pela velocidade com que as coisas devem ser feitas, eu diria pra pisar no freio e ir contra a corrente. Quando o mundo fala pra andar mais rápido, devemos dar um passo pra trás. Ao andar mais devagar, podemos olhar pra dentro de nós e conseguimos enxergar o que desejamos, o que queremos, quais são nossos sentimentos, como podemos nos sentir conectados com aquela pessoa que está ao nosso lado ou próxima de nós. E pensar mais no que vem de dentro pra fora e não de fora pra dentro.

Afinaidade – A sexualidade transita pelo prazer e pelo erotismo. Como estudioso da matéria, a geração 60+ se encontra à vontade para se permitir ampliar experiências dessa natureza? E de que forma a bagagem de relacionamentos anteriores pode contribuir ou criar obstáculos para a referida vivência?

Crenitte – Pessoas que aos 60 anos já tiveram uma vida sexual mais ativa, fizeram descobertas, romperam alguns paradigmas e desenvolveram repertórios mais diversos, assim tendem (isso é uma tendência não uma regra) a ter mais facilidades ou resiliência para as dificuldades e para os desafios da vida sexual plena na fase do envelhecimento. Mas não quer dizer que outro 60+ que não teve uma descoberta, rompimento com alguns padrões quando mais jovem, não consiga ter uma vida plena aos 60, 70, 80 anos. Pode alcançar sim, mas há algumas barreiras maiores. Nosso convite para essa pessoa é: vá se conhecer. Quando ela se conhece, entende qual o seu desejo, onde quer tocar e onde quer ser tocada, até onde gostaria de chegar, com quem, de que forma, onde, como e quando. É muito importante se descobrir, fazer reflexões e definir se quer ou não se perfomar sexualmente.

Afinaidade – É possível constatar que os pares, formados entre aqueles que se encontram na fase do envelhecer, tendem a ser numericamente mais representativos? Haveria como detectar quebra de paradigma da busca de parceiros mais jovens, por parte de algumas pessoas idosas?

Crenitte – Há uma diversidade geracional sim, entre alguns casais, principalmente entremeado por questões de gênero. Ao falar de machismo estrutural, podemos citar relatos de muitas mulheres, ao afirmarem que não se sentem desejadas por alguns homens mais velhos. (Importante salientar que trago aqui a impressão extraída de alguns relatos. Faltam estudos sobre essa questão).  Mas é importante entender que sim, até a percepção do próprio envelhecimento, da sensualidade ou da sexualidade é muito impactada por questões de gênero e de machismo. Homens mais velhos algumas vezes são atraídos por mulheres mais jovens e é preciso tomar muito cuidado pra não ‘patologizar’ e nem discriminar casais com diferença etária, seja a escolha feita pelo homem ou pela mulher. Mas, compreender como o machismo e as questões de gênero operam, dificultando, por exemplo, que algumas mulheres permaneçam sexualmente ativas ou sexualmente engajadas ou desejadas ou desejantes, após os 60 anos. Não é discriminar pessoas que se sentem atraídas ou mantêm relações sexuais ou relações afetivas com pessoas mais jovens, mas discutir pra quem isso é possível e, muitas vezes, é para homem mais velho com uma mulher mais jovem, sendo que mulheres mais velhas se sentem com maior dificuldades de ter esse tipo de relacionamento. Eis a grande discussão: não discriminar quem tem relação com diferença etária, mas entender que o gênero e o machismo impactam de maneira diferente homens e mulheres na velhice.

@miltoncrenitte