Se engana quem pensa que basta entrar, aleatoriamente, num vagão do trem da Linha 10, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM, no horário que varia entre 6 e 7 horas, para conhecer as profundezas da legião, a mais perfeita encarnação do feminino superlativo. O ponto de embarque, todos os dias, incluindo muitas vezes o sábado e o domingo, é a estação férrea de Ribeirão Pires (SP), município encravado na Serra do Mar, próximo à Região do Grande ABC. O destino delas? Em avassaladora maioria, a capital paulista. São mulheres, de idades diversas, origens diversas, mas de sonhos semelhantes. E basta, sim, o convívio repetido com elas para cimentar a certeza do diferencial que carregam, em sabedoria e histórico de vida. A forma como mantêm a firmeza do dever diário, agarradas às suas bolsas, num cenário no ponto de partida com direito à neblina serrana, matutina e também vespertina. Algumas são diaristas, outras levam na carteira funcional carimbos de 30, 20 anos de vínculo com único empregador. Se envaidecem de ter cuidado de mais de uma geração de pimpolhos em seus locais de trabalho, enquanto os seus próprios rebentos crescem no amparo à média distância, porém com zelo de primeira grandeza. Contam histórias, não falam do capítulo da novela nunca, porque a trama de suas próprias vidas preenche a conversa durante o percurso, que dura cerca de 40 minutos até a metrópole, inclusive quase sempre sem conseguirem sentar devido à condução abarrotada. E seguem transportadas sobre os trilhos do trem e depois os do Metrô até o seu destino. São Marias, Marys, Mariazinhas, cujo diminutivo em absoluto é compatível com a envergadura de tal existência. E não estamos falando de feministas empoderadas, ativistas e nem defensoras ferrenhas de qualquer ideologia, elas apenas vivem e protagonizam, involuntariamente em suas rotinas, algo de inspiração em Maria Bonita, Maria da Penha ou Maria de Nazaré… Seguem em frente de forma genuína, sem se darem conta do quanto têm de representatividade e importância o ir e vir de cada uma. Dão banho de conhecimento jurídico e cidadania, quando o tema é reivindicar transporte escolar, vaga para uma criança especial em estabelecimento de ensino adequado, calçamento e iluminação de rua e por aí vai. E nenhum catedrático de economia e finanças ou prêmio Nobel nessa área do conhecimento faria melhor, na lida com o orçamento doméstico, ao garimparem ofertas nos mercados locais (informação que sistematicamente difundem para o grupo), além de incontestável talento para fazer negócio. E na ajuda financeira mútua, quando isso se faz necessário, procedem com retidão e critério. Sobre empatia, talvez não atinem muito para o significado exato da palavra, mas a exercem na prática, cotidianamente, em gênero, número e grau. Nas raríssimas folgas, homens e essas mulheres misturam argamassa, assentam laje, fazem mudança de um endereço para outro, em gestos corriqueiros e espontâneos que se repetem aqui e ali. A propósito, as situações são seguidas, invariavelmente, de refeição farta, a ser generosamente compartilhada. Se a vida não é uma festa para essas mulheres modelos de vida em comunidade e líderes por natureza, há sempre o que festejar. No convívio com elas se aprende expressões como: Deus abençoe! Fica em paz! Proferidas em seu real peso e desejo. E elas estão novamente prontas para embarcar na Linha Turquesa da CPTM, circuito não ao acaso batizado com nome de pedra preciosa que, entre outros atributos, tem a fama de ser a gema que combate a falta de fé em si mesmo e o negativismo, mera coincidência (!?). Mesmo que março, o mês da mulher, pouco ou nenhum simbolismo possa ter para elas, que se sintam infinitamente homenageadas as mulheres desse não tão distante Ribeirão!
(*) Cecília Fazzini é jornalista e, há mais de dois anos, quase diariamente, divide o vagão do trem com mulheres, algumas que se tornaram próximas a ela e outras anônimas, no percurso Ribeirão Pires – São Paulo e vice-e-versa.