Crônica

O velho tempo em novo ritmo

Por: Mário Viana*

No fundo, a cantora Simone tem razão quando pergunta todo fim de ano: “Então é Natal, o que você fez?” Afinal, entre perus e rabanadas do Natal e a lentilha sobre a mesa de Réveillon pra dar sorte, a gente sempre planeja alguma coisinha. Mesmo os que, como eu, não acreditam em listas de resoluções de Ano Novo.

Quando se tem, sei lá, vinte e poucos anos, a tal lista é enorme. Vai desde mudar de emprego até casar ou escalar o Everest, o que for mais viável. À medida que os anos se acumulam, nossa tendência é reduzir as listas. Estou quase chegando no ponto ideal: “meu objetivo para 2025 é comemorar a entrada de 2026 – e assim sucessivamente”.

O problema é que alguém colocou o Tempo num daqueles aceleradores de mensagem, que existem nos aplicativos. Todo mundo já deve ter reparado em como tudo anda a ritmo apressado. A gente nem guardou a louça da festa de Réveillon e já está no supermercado bestificado com o preço do bacalhau pra Semana Santa.

Dizem que, conforme vivemos mais, a tendência é achar que tudo realmente está em velocidade de Fórmula 1. Está, mas a ‘sensação térmica’ da velocidade é ainda pior. Em vez de resmungar contra o inevitável, talvez o melhor seja entender o novo ritmo da vida.

Portanto, meus caros, parem de perguntar na farmácia qual a última novidade pro colesterol. Quer dizer, é sempre bom estar antenado, mas quem tem de se preocupar com isso é o médico. A nós, os demais, cabe viver – e isso já dá um trabalho enorme.

Uma das receitas mais difundidas para manter a fome de viver sempre ativa é a atividade física. Vocês conhecem o cardápio: hidroginástica, caminhadas, etc. Na academia que frequento, fazer festinha de 80 anos nem provoca mais espanto. O que noto é que meus colegas de esteiras e raias sentem a passagem do tempo, sim, mas se mantêm antenados no mundo. Leem noticiário, vão ao cinema e ao teatro, navegam, viajam, namoram.

Todo mundo desse grupo faz planos, mas nada de planos juvenis de mudanças radicais. São planos de prazer quase imediato ou a curto prazo. Estamos vivos e nosso único objetivo é viver com prazer. Desde que se mantenham os marcos civilizatórios, extrair prazer da vida será sempre fundamental, não importa quanto tempo você tenha de serviços prestados ao mundo.

Por falar em tempo, andei escutando “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso (aquela do “és um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho”…) e entendi que, conforme envelhecemos, a perspectiva talvez seja outra. O filho já está grande, o neto trouxe a namorada pro Natal, etc. E o Tempo, esse deus inevitável, nos ensina a olhar para os mais velhos que nós. “És um senhor tão bonito quanto meus colegas de hidroginástica, serelepes em suas oito décadas de vida.”

A verdade, é preciso que se diga, está em aprender sempre com todo mundo. Os mais velhos ensinam, os mais jovens também. E a gente dá nossas aulinhas, claro, porque estamos vivos e operantes. Até o próximo Réveillon, sem falta.

*Mário Viana é jornalista, dramaturgo, roteirista e cronista paulistano. Desde 2018, publica crônicas inéditas em seu blog Vianices sobre comportamento, cultura e viagens. Autor de cerca de 30 peças teatrais e, em TV foi colaborador de diversas novelas. Destaque para ‘Vai na Fé’, 2023, escrita com Rosane Swartman e premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e pela Associação Brasileira de Roteiristas (ABRA).

 vianices.wordpress.com

@marioviana

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