Saúde, Bem-Estar e Alimentação

Tudo começa pelo coração

Cláudia Soares: diferencial das artes-manuais como terapia

Ponto por ponto, um grupo de mulheres maduras, que sem o uso de bastidor, apenas empenhadas em dar vida a um tecido solto e deixar livre a conexão mão/cérebro, compõe seus bordados. Com linha e agulha, criam trabalhos repletos de significados que refletem passagens de uma vida inteira, sem a preocupação da perfeição do resultado final. A proposta parte da convocação para as bordadeiras ainda amadoras – e nenhum problema com o rótulo ou com a manutenção dele – darem forma a um coração. E a missão é levada à sério, espírito perseverante que as integrantes do grupo “As Claras” aplicam nas demais etapas do projeto. À frente da iniciativa, que teve seu início em 2017, está Cláudia Soares, paulistana, de 59 anos, psicopedagoga depois da carreira de 12 anos como professora de matemática. Sua experiência com a classe de alunas longevas vem sendo construída de forma sólida, porque atua nas áreas de geriatria e gestão de programas intergeracionais, fruto da formação na Universidade de Granada-Espanha e Mestre em Gerontologia Social, pela PUC-SP.

De acordo com ela é preciso distinguir arte-manual (com hífen) da popularmente conhecida arte manual. “O hífen, fazendo a ponte entre as palavras, indica um tensionamento que valorizamos e buscamos provocar entre as duas palavras: Arte e Manual”, explica a orientadora do conjunto de aprendizes.  “Nas dinâmicas das aulas ligamos, por exemplo, os elos da literatura (arte) com o bordado (trabalho manual), esse é o eixo central”.

Em meio aos cuidados com o pai já falecido, Cláudia se deparou com temas como inclusão e demência. Decidiu seguir por um caminho que revela que o zelo com a pessoa idosa vai muito além dos medicamentos. Essa visão a motivou a se candidatar ao voluntariado na Universidade Aberta Para o Envelhecimento Saudável, do Hospital das Clínicas.

"As Claras": união e criatividade

A vida como inspiração

Certa de que a vida é dinâmica e a atividade em grupo motiva, acolhe, gera cuidado mútuo e cria referência, o bordado surge, conforme a especialista em questões da terceira idade, como uma forma de fortalecer laços. E, sobretudo, a possibilidade de tratar da saúde e da vida e não da doença. “A finitude é encarada com leveza”, acentua Cláudia. Mas é a vida a maior fonte de inspiração. Quando nasce um neto ou bisneto, na família de alguma das alunas da sala de bordado, é proposta uma peça confeccionada a muitas mãos, para ser presenteada ao bebê, sendo que o tema é escolhido previamente pela mãe do recém-nascido.

Assegurar alento através do movimento com linhas e agulhas, igualmente fez Cláudia, em 2023, integrar ação da Prefeitura de São Paulo, numa parceria com a empresa Meta, em 5 Céus, com dedicação de dois meses em cada um, com encontros semanais e duração de quatro horas. A finalidade era capacitar mulheres de baixa renda, de todas as faixas etárias, para a arte de bordar e contribuir com a geração de renda desse público.

Para o grupo “As Claras”, o imaginário das bordadeiras é aguçado com recursos como o de uma lenda indígena, o símbolo do infinito e toda a sua representatividade, a espiral da vida, frases, memórias da infância, que ganham forma sobre os tecidos, segundo a organizadora, num clima de alegria e cordialidade.

“O bordado me salvou”

A transformação que a arte-manual é capaz de produzir na vida das alunas longevas é testemunhada por Bel Ferraz. Hoje com 75 anos, ela que é mãe de três filhos, se deparou, em 2021, com a morte trágica do primogênito. “O bordado me salvou”, atividade com a qual teve contato a convite de amigas, reforçado depois de algumas sessões de massagem com Cláudia – que entre suas múltiplas formações ainda é Mestre Reiki, Terapeuta Floral e Integrativa.

Bel revela que não sabia bordar, mas que foi essa prática que contribuiu para a sua reconstrução pessoal. “Não podemos perder a doçura. O grupo é maravilhoso, conversamos, sorrimos e me sinto acolhida”, acentua. E vai além sobre o clima que prevalece no ambiente das bordadeiras, “um lugar sem julgamentos, de respeito e delicadeza”.

Para ela que dividiu sua vida profissional com o ofício de professora, funcionária em uma operadora de turismo e no trabalho com flores para decoração de consultórios e escritórios, o ato de bordar equivale a um momento de meditação: “seguimos em silêncio bordando”. E o fato de bordar camisetas para os netos fazem, conforme sua interpretação, viver o presente e se transportar para o futuro.

Longe do Instagram

Filha de exímia bordadeira, Elisa Grinspum, de 68 anos, nascida em São Paulo e professora de inglês, confessa que quando chegou ao grupo “As Claras” não tinha qualquer domínio com o bordado. “Sempre gostei muito do quanto a habilidade com linhas, cores e tecidos é capaz de produzir de efeito, acho que tudo fica lindo na composição”.

Ela que já bordou camisetas para os familiares, encontrou nessa arte uma forma de brindar os netos com mimos do tipo, tanto as meninas quanto os meninos. “O bordado é relaxante – me tira do Instagram (risos), é algo que aguça a criatividade.” Elisa revela que não é perfeccionista e que as aulas comandadas por Cláudia propõem a desejada liberdade.

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