Personagem

A cidade de todos nós

Por: Álvaro Alves de Faria*

Eis a cidade, 470 anos. Eis a cidade de tanto brilho e tantas sombras. A cidade que assusta e também faz ser feliz. Uma cidade que não para, dia e noite, noite e dia, até debaixo do asfalto de suas avenidas há outra cidade trabalhando notívaga e sozinha, quando em cima é tudo silêncio de uma madrugada de perigos e gente percorrendo as calçadas às vezes cantando uma canção de amor. A cidade de todas as lembranças, de amores que se foram, vidas que se separaram, acenos que desapareceram das mãos rudes dos trabalhadores e delicadas nas mulheres que se procuram, nos casais de namorados na banca de jornais. Eis a cidade de São Paulo com seu metrô com tantos nomes de santos, como a abrir os caminhos da proteção, São Judas, São Lucas, São Mateus, Santa Cecília, Santa Clara, Santa Cruz, Santa Isabel, Santa Marina, Santo Amaro, Santuário de Nossa Senhora de Fátima, São Bento, São Joaquim, esse metrô que caminha a cidade subterrânea, os edifícios de vidro de raiban, as lojas que encantam e o comércio onde se reúne o povo para comprar o que lhe for possível. Eis São Paulo, 470 anos e ainda a caminhar depressa, porque cada minuto vale ouro numa cidade às vezes materialista demais, outras espiritualista com a alma ferida, a cidade dos assaltos à luz do dia, a cidade de bares boêmios que atravessam a noite numa conversa que não acaba nunca. Eis a cidade, o medo, o temor, a angústia. Eis a cidade e suas igrejas e suas preces, a alegria difícil de viver, o tempo que não para nunca, a cidade que não adormece e segue sempre, os dias que não terminam, as juras esquecidas. A cidade de São Paulo, tão amada cidade em seu encantamento e seu medo, na sua manhã e nos seus anoiteceres, a cidade dos que estão perdidos, os moradores das ruas e as promessas de “autoridades” que não merecem respeito. Eis a cidade de tantos amores, de mãos dadas, de desamores distantes da vida. Eis a cidade do Brasil, pernambucanos, sergipanos, brasilienses, cearenses, gente do Maranhão, do Piauí, Rio Grande do Sul, Paraná, gente de todos os lugares brasileiros, São Paulo de braços abertos. Eis a cidade que amamos, por mais que ela machuque, a cidade que vive em nós como se fosse outra alma, a fotografia de cada um na luta de todos os dias, a sobrevivência do menino que vende bala na calçada, os homens cansados em busca de um prato de comida para a família. Eis a cidade dos perdidos, esse espanto, essa angústia, em cada dia uma novidade, em cada dia uma história para contar. A cidade que nos pertence com seus ferimentos e marcas, cicatrizes para nunca mais, esta cidade que afinal nos dá a vida e vive no coração de cada um.

*Álvaro Alves de Faria é jornalista, poeta e escritor.

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