Trabalho e Carreira

Pendurar a chuteira? Não!

O mercado de trabalho ainda vai precisar, e muito, de você que pertence à geração platinada.

Essa é a aposta e para onde aponta a percepção do médico gerontólogo, Alexandre Kalache que, ele próprio, já tendo ultrapassado a fronteira 60+, dedicou metade de sua vida às questões do envelhecimento. Pioneiro nesse terreno e atento à inclusão da pessoa idosa, é presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil e co-diretor do Age Friendly Institute.

Nesta entrevista exclusiva ao Afinaidade, publicada no Dia do Trabalho, o médico se debruça sobre as possibilidades e desafios colocados aos maduros que, conforme sua avalição, se mantêm no páreo como força produtiva, nas mais diversas áreas econômicas.

Como vê a presença da pessoa idosa no mercado de trabalho. Sejam aqueles que retardam a aposentadoria ou os que retornam à uma atividade laboral depois de aposentados?

Alexandre Kalache“Vejo como essencial. Um país que está envelhecendo tão rapidamente não tem mais à sua disposição o que tinha no passado: esse não serve, recruta o outro. Era tudo reciclável. Não temos mais jovens para poder fazer isso, o que era certamente uma perversidade, mas essa mentalidade do não serve, repõe, só funciona quando você tem um manancial de jovens disponível. Desde o final do século passado, temos taxas de fecundidade abaixo da reposição. Isso significa que um casal não tem em média dois filhos. Ora, nasceram menos bebês, o que representa menos crianças, menos jovens, menos adolescentes e, agora, menos adultos jovens para repor a força de trabalho.

Em 2038, a população brasileira vai começar a encolher. Significa que vamos chegar ao pico de nossa população e, a partir daí, ela se reduz. O único crescimento ocorrerá na população com mais de 60 anos. Passa a ser essencial, não temos capacidade de atrair imigrantes, como no passado e vamos ter que lançar mão do capital humano e este capital humano é constituído de gente velha. Portanto, até por uma questão econômica, de produtividade, de capacidade de girar a economia, de competitividade, são essas pessoas experientes que vão poder fazer isso. Mas, é necessário mudar a nossa mentalidade, de que o velho é um fardo, de que o velho já deu, não tem nada a acrescentar. Muito pelo contrário, teremos que investir para que as pessoas envelheçam de forma viável e, com isso, consigam ser motores do desenvolvimento e da economia, porque não temos outro capital humano para lançar mão”.

Quais, no seu entender, os principais desafios para essa inserção?

Kalache“Diria que o principal desafio é mudar a mentalidade, vencer o idadismo. O grande empecilho, a pedra no caminho é a nossa atitude, tanto é que poucas empresas estão hoje antenadas e oferecendo oportunidades laborais para as pessoas eu não diria nem de 60+, 50 é considerado velho e, às vezes, 45 já não é recrutado. Não pode! É impossível um país que envelhece tão rapidamente, que daqui até 2050 terá dobrado a proporção de idosos de 15,5%, hoje para 31%, com a população sexagenária aumentando   exponencialmente, de 34 milhões para 68 milhões.

O idadismo é uma ideologia e remete a sexismo, a racismo – eu não gosto de você porque você é negro. Não gosto de você porque você é mulher, não gosto de você porque você é muito velho. Se isso não for estancado… E não é uma batalha para as pessoas idosas, é intergeracional. Vale lembrar que basta você ter 35 anos hoje, para que em 2050 você seja um sexagenário. Então, vamos todos juntos, para o bem próprio e da sociedade, lutar contra este último grande tabu. O envelhecimento pode ser cruel para as pessoas que são rechaçadas, são abandonadas e que não têm oportunidades de emprego, de educação, de saúde. Porque o idadismo começa com essa ideologia, mas essa ideologia é esposada por aqueles que têm mais poder, mais influência e que colocam todas as pedras no caminho, todas as cascas de banana. Com isso, fazem com que a pessoa indesejada – seja mulher, gay, negra, velho, alguém com deficiência – ela fique no canto. Institucionaliza. É daí é o racismo, o sexismo, o idadismo estrutural.

“Teremos que investir para que as pessoas envelheçam de forma viável e, com isso, consigam ser motores do desenvolvimento e da economia, porque não temos outro capital humano para lançar mão”

Alexandre Kalache, médico gerontólogo

E isso passa ao nível interpessoal: não vou te dar emprego, porque você é muito velho; não vou te dar uma ultrassonografia ou te internar, porque você é muito velho, vai gastar recurso à toa; não vou te promover, porque você já está na hora de se aposentar. E acaba tudo no que, na verdade, é o objetivo da ideologia: a internalização. Você acaba mesmo acreditando que não vale, que é um fardo, que está pesando para a sociedade. Fique no seu lugar, caladinho! São os quatro ‘is”: a ideologia, a institucionalização, o interpessoal e, finalmente, a internalização. E num país com tanta (o quinto ‘i’) inequidade, é um campo de cultura muito fértil para que todos esses ‘ismos’ se manifestem.

Poderia citar cinco vantagens de as corporações contarem com os 60+ no  quadro de trabalhadores. Como podem tirar proveito, ao absorverem essa mão de obra longeva?

Kalache – “Sobre as cinco vantagens: a primeira é a harmonia intergeracional, você tem um gerente e tem um funcionário, o gerente tem que exigir determinadas tarefas.  O funcionário, em geral mais jovem, se nega, está ranzinza, com algum tipo de dificuldade, aí chega uma pessoa mais idosa – que esteja trabalhando ali – e faz o meio de campo. Chega para o gerente e diz: releva, ele ou ela são bons, estão passando dificuldade em casa com o filho pequeno. Ou então chega para o funcionário e diz assim: toma jeito, porque o gerente tem razão, ele está aqui para colocar disciplina, botar ordem. Essa ação conciliadora leva harmonia para dentro do ambiente de trabalho. Além do mais, existe uma complementaridade, há coisas que a pessoa mais velha não faz, não pode fazer, não quer fazer, já passou por isso, ao mesmo tempo em que o mais jovem tem as suas aspirações. Então é a ressignificação das etapas de vida e isso leva à complementaridade da força de trabalho. A segunda vantagem é o absenteísmo. Há muitas pesquisas mostrando que quando você tem uma equipe intergeracional o absenteísmo cai, porque a pessoa mais velha, mesmo que tenha dificuldades, valoriza muito o seu emprego e vai com uma dorzinha de cabeça, com alguém passando mal em casa, mas comparece ao trabalho. E o pessoal mais jovem acaba dizendo, bom se o seu José e Dona Maria vão ao trabalho, apesar dos obstáculos eu vou dar um jeito também. A terceira é a produtividade que aumenta. Essa balela de que a pessoa idosa não produz é fruto do preconceito. Ela produz e pode aprender. Só que tem uma forma diferente de produzir e uma forma diferente de aprender e isso é o empregador que deve proporcionar. Outro aspecto importante é a fidelidade e lealdade que a pessoa idosa tem, muitas vezes trabalhando lá muitos anos valoriza, se identifica com aquela empresa, tem orgulho de trabalhar para a corporação x ou y e isso acaba refletindo na cultura dentro daquela empresa.  E há, ainda, a questão de ‘value model’ (modelo de valor), o mais jovem vai se identificando com figuras paternas mais velhas que estão ali e que são modelos, vai absorvendo esses valores e, aos poucos, amadurecendo.

“Daqui até 2050 terá dobrado a proporção de idosos de 15,5%, hoje para 31%, com a população sexagenária aumentando exponencialmente, de

34 milhões para 68 milhões”

Alexandre Kalache, médico gerontólogo

Como promover a humanização nas empresas, de forma a combater o preconceito?

KalacheO combate a esse preconceito, repito, não é uma questão dos idosos, exclusivamente, é de todos, de toda a sociedade, de todas as idades, de todos os gêneros. Se há uma forma de ‘ismo’, que pode atingir a todo mundo, pode ser o político mais influente ou o CEO da empresa mais importante. Experimenta envelhecer e você pode ser a vítima desse idadismo! E a forma de proceder é trazer isso à conscientização. Eu costumo dizer que para você lutar contra qualquer forma de ’ismo’, exige uma introspecção, uma autoeducação, empatia, requer a vontade de arrancar esses botões inseridos pela cultura em que a gente vive. Por ser, indistintamente, uma forma de preconceito que atinge a qualquer um é necessário que o RH esteja mais ciente, valorizando mais essa forma insidiosa que está presente em todos os setores”.

Qual a conduta que se recomenda aos 60+ numa entrevista de emprego? Kalache – Não queira, na hora em que estiver sendo entrevistado, se essa entrevista for presencial, tentar esconder a sua idade. Valorize-se! Não aceite essa internalização da idadismo, apresente-se com vitalidade. Isso é diferente de jovialidade para sempre. Não queira ser o jovem eterno, não seja aquele estereótipo de alguém que reluta em envelhecer e apresente pontos positivos, a experiência que você tem. Aceite também, se está em busca de uma oportunidade, que talvez não vá manter a mesma renda, o mesmo salário. E mostre, sobretudo, a vontade que tem de aprender, de continuar na força de trabalho, de continuar assimilando novas tecnologias. Envelhecimento ativo depende de saúde e isso é importante que você valorize na hora em que estiver sendo entrevistado, mesmo que tenha limitações e seja honesto, se você as tem. Também depende de conhecimentos, portanto da sua predisposição de continuar a aprender, inclusive de forma intergeracional. Mas, também compartilhar a experiência acumulada ao longo da sua trajetória. É ainda importante manifestar que nós, as pessoas idosas, temos direito à educação, ao trabalho, aos serviços. E esses direitos vão, mais tarde, privilegiar aqueles mais jovens e que almejam envelhecer com essas oportunidades.

@alexandre.kalache

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